sábado, 8 de janeiro de 2011

ÉPOCA DE VIRADA

Segue reportagem publicada no último dia de 2010, em que discuto as intensas transformações na indústria musical na década que se encerrou semana passada.


ÉPOCA DE VIRADA


Hoje, dia 31 de dezembro de 2010, fecha-se uma década marcada por intensas transformações de paradigmas na indústria da música. Enquanto há dez anos o Metallica entrava na justiça para tentar impedir o Napster (pioneiro site de compartilhamento de dados), hoje a grande maioria dos músicos espalhados pelo mundo se beneficia de tudo que a internet pode oferecer a quem quer divulgar sua arte.

MySpace, Youtube, Last FM, iMúsica, PalcoMP3 e Torrentz são alguns sites criados ao longo dos anos 2000 que permitiram que qualquer pessoa tenha acesso a todo tipo de música – tanto de forma legal quanto ilegal. Aparelhos portáteis que tocam Cds se tornaram arcaicos. Hoje é possível ouvir centenas de faixas dos artistas preferidos pelo celular ou carregar discografias completas em iPods.

A venda física de Cds declinou vertiginosamente. Um exemplo: a banda Jota Quest, uma das mais populares do país há mais de 15 anos e um dos principais nomes da gigante Sony Music, viu seu “De Volta ao Planeta” (1998) ter uma tiragem de 1, 5 milhão de cópias. Já o seu último álbum, “La Plata” (2008) vendeu 150 mil exemplares – número muito bom para a atualidade. O fato se repetiu com todos artistas famosos, de Marisa Monte a Zezé di Camargo & Luciano.

Só a pirataria não justifica tal queda. A popularização do acesso ao computador foi uma grande responsável pelo fenômeno, já que um único disco pode ser reproduzido em incontáveis computadores (um adolescente pode muito bem gravar cópias para seus amigos por meio de Cds virgens comprados por menos de R$ 1). Além disso, há os diversos sites de compartilhamento na rede. Com a grande oferta de banda larga, a discografia de um artista de vida longa (como os Rolling Stones, por exemplo) pode ser baixada em poucas horas.

Ter gravadora deixou de ser o grande sonho de boa parte dos artistas brasileiros. São inúmeros os casos de famosos da MPB que passaram a trabalhar de forma independente – Elba Ramalho, Alceu Valença e Zeca Baleiro são alguns exemplos – e outros tantos que conquistaram o sucesso nacional de forma independente. graças à divulgação pela rede – como Mombojó, Móveis Coloniais de Acaju e Autoramas.

Há mais de 45 anos atuando na indústria musical, Pena Schmidt (hoje diretor do Auditório Ibirapuera, em São Paulo) enxerga com muitos bons olhos as mudanças de paradigmas dos últimos anos. “Tivemos um século inteiro de música gravada em suportes físicos, como vinis e Cds, e agora temos algo totalmente diferente. Antes a sociedade se relacionava com a música tendo a indústria fonográfica como intermediadora. Eram as gravadoras que escolhiam o que íamos ouvir”, afirma.

Segundo ele, o filtro continua a existir, mas atualmente de outra forma. “Hoje são os festivais de rock, as casas noturnas, os auditórios de shows que fazem as escolhas. Aumentou consideravelmente o leque de ofertas”.

Os festivais de música ganharam novo sentido no século XXI. Bastante cultuados nos anos 1960 e decadentes nas décadas seguintes, nos anos 2000 os festivais passaram a ser fundamentais para a circulação de artistas independentes. Claro que há muitos festivais do mainstream ainda no país – caso do Rock in Rio, que volta com força total no ano que vem – , mas aqueles que oferecem novidades estéticas são os do cenário indie – como o Jambolada, em Uberlândia, o Coquetel Molotov, em Recife, e o Goiânia Noise, em Goiás.

“Cada festival tem um compromisso com a cena local, permitindo ser uma vitrine para os artistas da cidade. As rádios não são mais as referências para quem busca novidades, mas sim nos festivais. São nesses eventos que os músicos ganham destaque. Lucas Santtana, por exemplo, antes de ficar famoso em todo o país, viajou por vários festivais brasileiros”, conta Talles Lopes, organizador do Jambolada e presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes a partir de 2011.

O respeitado produtor musical Béco Dranoff (responsável pelo sucesso internacional de Bebel Gilberto, Bossacucanova, entre outros) acredita que a gratuidade da música via internet tem sido muito importante para a ampliação e divulgação da produção musical brasileira. “Isso é fundamental para um país continental, em que circular é tão difícil”, diz.

Segundo Dranoff, as grandes empresas da indústria musical foram as primeiras a sofrer com as transformações impostas pela popularização da internet, mas também foram as que tiveram de dar os primeiros passos na adaptação à nova realidade. “As gravadoras entenderam que não dá para mudar a situação e tiveram que aderir. As produtoras compreenderam que pela internet é possível gerar negócios. A música deixou de ser um objeto para ser arte a ser admirada em qualquer suporte”.

O impacto maior foi para os artistas, de acordo com Dranoff. “Nunca houve tanta música sendo feita no mundo. A destruição do modelo antigo permitiu uma grande abertura. Mas ainda estamos no meio de um processo. No exterior, o trabalho está mais adiantado. Ao ponto de uma banda como Radiohead permitir que o próprio público desse o preço pelo disco”, conta o produtor, acreditando que, na década que se inaugura a partir de amanhã, os brasileiros vão aprender a dar maior valor ao download pago.


As gravadoras também tiveram que se adequar às transformações. De acordo com Fábio Silveira, gerente de negócios da Deckdisc, as empresas tiveram que diversificar os serviços prestados aos músico. Além da realização e distribuição de discos, agora deve-se cuidar da agenda de shows, do marketing, dos direitos autorais, da disponibilização de dados pela internet. “A Deckdisc é hoje, ao mesmo tempo, gravadora, editora e responsável pelo agenciamento”, conta.

A Deckdisc também tem provado ao mercado, no final desta década, que mesmo com o crescimento da música virtual, ainda há muitas pessoas interessadas no suporte físico. O vinil, que parecia fadado a morrer no Brasil, tomou novo fôlego em 2010 com a reabertura da Polysom em Belford Roxo. O retorno da produção de LPs foi uma aposta de João Augusto, dono da Deck e da Polysom. Um investimento que parece estar dando resultado. “O vinil de 'Chiaroscuro', da Pitty, já está na segunda prensagem e temos recebido muitos pedidos de todos os discos lançados. Só não fazemos mais mais porque os impostos são muitos altos. Enquanto os Cds são fabricados na Zona Franca de Manaus (região livre de vários impostos), os vinis são feitos no Rio de Janeiro. Cerca de 60% do valor final do LP é referente a impostos”, explica Fábio Oliveira.


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