terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Rascunho

Esta semana, escrevi uma matéria sobre o livro "As Melhores Entrevistas do Rascunho", que traz melhores momentos de um jornal literário de Curitiba. A obra traz depoimentos de 15 escritores, como Bernardo Carvalho, João Ubaldo, Milton Hatoum, entre outros.

Fiz uma entrevista interessante, por email, com o editor do livro, Luís Pellanda. Como não usei tudo na matéria, achei que seria uma boa compartilhar a entrevista na internet. Espero que seja de bom proveito para alguém.


Quais foram os critérios usados para selecionar as melhores entrevistas do Rascunho?

Na verdade, não há muito segredo. Lancei mão de uma mistura nada complexa de critérios objetivos e subjetivos, tendendo um tanto mais, como acontece com as antologias literárias, para os da segunda categoria. É complicado fugir de certo gosto pessoal quando se faz qualquer seleção. No caso deste livro, em especial, os critérios objetivos foram relativamente poucos. Por querer traçar um panorama ligeiro da literatura nacional contemporânea dos últimos anos, eu precisava escolher entre as entrevistas realmente extensas publicadas no Rascunho, e entre entrevistados necessariamente brasileiros. De cara, portanto, já descartei gente como José Saramago, Jonathan Coe, Mia Couto e Enrique Vila-Matas. Mas isso não facilitou muito as coisas. Dentre as centenas de entrevistas restantes, eu ainda tinha que eleger as tais “melhores”, entre os autores mais “influentes” de seu tempo. E aí a subjetividade. Pedreira pura. Quem e o que define o que é melhor e mais relevante, afinal? Bem, existe um senso comum, é claro, mas ele não é exato. Às vezes nem chega a ser justo. Assim, tentei não me pautar pelo meu gosto apenas no que se refere à obra ficcional dos 15 autores escolhidos para este volume inaugural do livro, embora efetivamente eu goste do trabalho de muitos deles. Busquei dar preferência às entrevistas — e não aos autores — que dissessem mais sobre os entrevistados, sua escrita, seu país e sua época. Isso nos daria não apenas uma ótima visão geral da produção brasileira da primeira década do século 21, mas também acabaria por nos fornecer um traçado do que foram esses dez primeiros anos de atividade do Rascunho.

Quais são os principais destaques desse primeiro volume?

Acho que o destaque do livro é realmente o trabalho coletivo que ele evidencia. Estamos falando de um jornal literário comercialmente independente que, sem ganhar dinheiro algum, sobreviveu durante dez anos num país onde quase ninguém lê ficção. Não é exagero. E o feito não é pequeno, como talvez possa parecer aos que engrossam a maioria não-leitora. A sobrevivência de um veículo tão improvável e deficitário não se deve, logicamente, apenas à insistência do seu editor Rogério Pereira — que fundou o Rascunho em abril de 2000, em Curitiba, auxiliado por uns poucos amigos leitores —, mas ao trabalho gratuito de muitas centenas de colaboradores que, durante uma década, vêm escrevendo para o jornal sem receber um tostão por isso. Romanticamente, podemos dizer que, se você abre mão do dinheiro, você está livre. Não é bem assim, todos sabemos disso, mas, às vezes, uma ou outra coisa bacana acaba dando certo no Brasil, por mais inviável que pareça. O Rascunho é uma delas.

Qual sua opinião sobre a literatura brasileira produzida no século 21? E sobre o mercado editorial?

Essa pergunta é bastante difícil de responder em poucas linhas, mas, como leitor frequente, tentarei resumir o que penso da literatura brasileira de hoje. Atualmente, ainda bem, ela se caracteriza por uma vasta diversidade de intenções. Há olhares de todo tipo e de diversas intensidades, sobre temas variados. Há escritores bons e escritores ruins, há os profundos e os mais rasos, como em qualquer grande conjunto literário nacional. Mas o melhor de tudo é que não há, em nossa literatura atual, uma tendência unificadora forte. Há de tudo. E, dessa variedade, dessa bagunça, o tempo saberá peneirar o que for melhor. Ou talvez não, e quem sabe isso nem nos interesse? Como mortais que somos, presos ao pequeno intervalo de vida que nos cabe vencer, nossa participação nisso tudo é ler o que quisermos, contemporâneo ou não, enquanto houver tempo para isso. Que cada leitor faça o seu juízo a respeito do que lê, e que cada autor construa a sua obra. Já o mercado editorial brasileiro, se analisarmos a questão sob esse aspecto quantitativo, deve viver um ótimo momento. A quantidade de leitores em potencial vem crescendo, é o que me parece, e o interesse pela literatura, ou pelo menos por seu entorno, também. O que mais explicaria o aumento do número de feiras e eventos literários Brasil afora que se vem registrando ultimamente? O próprio lançamento do livro do Rascunho é prova disso. Temos leitores. Por outro lado, não me parece muito saudável o tipo de discussão que, entre os editores, tem se tornado comum por aí. Me refiro às brigas públicas que temos acompanhado, envolvendo premiações a este ou aquele autor, e também à pressão mercadológica cada vez mais corriqueira sobre os autores estreantes, para que escrevam somente romances — abrindo mão da poesia, do conto e da crônica por estes serem, digamos, menos “vendáveis”. Uma maluquice completa. É como se o mercado editorial brasileiro tivesse visto dinheiro pela primeira vez depois de muitos anos e — equivocadamente — quisesse aproveitar o momento miraculoso para ganhar um pouquinho mais. Isso pode ser apenas um doloroso tiro no pé. Afinal, nunca é demais lembrar da carta de recusa a Moby Dick, enviada a Melville em 1851, por uma editora: “Não achamos que possa funcionar no mercado de literatura para jovens. É longo e de estilo antiquado”.

Na orelha do livro, há uma fala sua indicando que o Rascunho só existe graças à paixão e colaboração gratuita. Quais são as principais dificuldades em se fazer um periódico dedicado à literatura? O precisaria ser feito para que os problemas fossem solucionados?

As dificuldades, não é surpresa, estão ligadas à falta de grana que envolve todo o projeto do Rascunho, desde o seu início. Falta de anunciantes interessados pelo público da literatura (isso inclui livrarias e editoras), escassez de mecenas milagrosos (seja na área pública ou na iniciativa privada), problemas relacionados à distribuição do jornal e à impossibilidade de se pagar colaboradores e “profissionalizar” a coisa de uma vez por todas. Por outro lado, essas complicações acabam por dar força e liberdade ao jornal. Como disse mais acima, não há independência maior que prescindir de dinheiro para sobreviver. Na pindaíba, também se aprende a ser duro e, quando o dinheiro surge, a situação tende a melhorar. É só manter o prumo. Agora, como mudar esse cenário? Não sei dizer. Se olharmos de longe, buscando uma visão panorâmica do problema, veremos um quadro de catástrofe. É um problema gravíssimo de educação e formação cultural. O brasileiro lê pouco, sim. Está lendo um pouquinho mais, mas ainda estamos longe de qualquer situação minimamente decente. O caminho que temos pela frente é longo e, a cada um, escritores, jornalistas, professores etc., cabe cumprir a sua parte. É possível que alguém, irritado com essa obviedade, me pergunte: mas de quem é a culpa, ora, é nossa? Não. Minha não é. A culpa é de gerações e gerações de políticos canalhas que vêm se perpetuando no poder desde que o Brasil é Brasil. Não estou generalizando, não. Se houver exceções, que se manifestem trabalhando contra a ignorância. Não estarão fazendo mais que a sua obrigação.

Quais serão as entrevistas do próximo volume?

Ainda não posso dizer, Cinthya, lamento. Estou trabalhando com 25 autores. Preciso cortar dez. Um trabalho sofrido e delicado. Vamos ver no que dá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário