quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ótimos ensaios de Peter Burke

Segue texto publicado hoje no caderno de Cultura do Hoje em Dia, em que falo sobre o novo livro do historiador inglês Peter Burke:


Conhecido como um dos principais nomes da História Cultural – corrente historiográfica que tem dominado as universidades de todo o mundo nas últimas duas décadas – Peter Burke angariou um grande número de fãs no Brasil graças à sua coluna bimestral no caderno Mais! da Folha de S. Paulo. Por meio de textos leves e apaixonantes, Burke mostra ao leitor como a diversidade cultural que observamos em nosso cotidiano anda de mãos dadas com os conhecimentos que, aparentemente, estão restritos aos historiadores. O sucesso do autor entre brasileiros é tão grande que a editora Civilização Brasileira decidiu reunir todos os textos publicados nos últimos 14 anos no livro “O historiador como colunista – Ensaios para a Folha”, que acaba de chegar às livrarias.
Embora os ensaios tenham sido escritos de Cambriedge – onde mora e trabalha o autor – eles nunca expressam uma visão eurocêntrica. Pelo contrário, Burke se revela um grande conhecedor da cultura dos povos americanos, especialmente o Brasil – até mesmo porque é casado com a historiadora brasileira Maria lúcia Garcia Pallares-Burke.
A prova disso está na recorrência da cidade de São Paulo nos ensaios. No delicioso texto “Primeiras impressões de um inglês no Brasil”, o historiador levanta as diversas discrepâncias entre a cultura de seu país e a megalópole que desbrava sempre que vem visitar a família de sua esposa. O cheiro doce da fumaça exalada pelos carros movidos à álcool, o aprendizado da língua portuguesa oral por meio das telenovelas, a surpresa em observar a divulgação do valor do dólar paralelo, a descoberta do nosso “jeitinho” são algumas novidades que despertaram o questionamento de um homem adaptado às formalidades e à rigidez do universo acadêmico britânico. O fascínio pela maior cidade do Brasil ainda aparece em outros ensaios da obra – como os textos em que debate a apropriação das praças públicas pelos moradores de uma cidade ou em que mostra a questão do lixo como um fato historicamente complexo.
Membro da British Academy, Burke também revela seus conhecimentos sobre o Brasil ao escrever sobre os dois principais nomes da historiografia brasileira: Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. No ensaio “Sérgio Buarque e a história total”, ele afirma que o autor de “Raízes do Brasil” tinha interesses diversos, mas que podia-se observar uma unidade em sua produção intelectual e no direcionamento de sua carreira. Já em “Don Fernando e seu Gilberto, um contraponto”, o historiador inglês faz uma bela comparação entre o autor de “Casa Grande e Senzala” e o sociólogo cubano Fernando Ortiz (dono de um famoso trabalho em que compara a produção do tabaco com a do açúcar). O interessante é como os dois são complementares aos olhos de Burke.
Os 65 ensaios de “O historiador como colunista” foram divididos em quatro capítulos: as variedades da biografia (em que escreve sobre intelectuais como Gaudí, Ernest Gombrich, Eric Hobsbawn, Michel de Certeau, entre outros), ideias e mentalidades (em que debate pensamentos coletivos, referentes a épocas determinadas), história social do cotidiano (em que discorre sobre roupas, futebol, fofocas, lixo e presentes) e lendo a cultura (sobre a relação entre leitura e cultura).
Cada capítulo recebeu um texto introdutório em que o autor dá lições simples de teoria da história e historiografia. Ao abrir o segundo capítulo, por exemplo, Burke explica de forma bastante didática a diferença entre a história das mentalidades idealizada pela Escola dos Annales (corrente francesa que influenciou o trabalho historiográfico mundial depois da Segunda Guerra Mundial) e a história das ideias de Quentin Skinner. Embora a primeira se preocupe com as permanências (o foco são os pensamentos que se enraizaram nas sociedades) e a segunda com os fatos e as personalidades, Burke não coloca as duas correntes em campos opostos. Eles as considera complementares e essenciais à prática do historiador.
Embora não haja um ensaio específico sobre sua formação, Burke deixa pistas de suas principais influências no decorrer dos textos presentes neste livro. Não é à toa que o nome de Fernand Braudel é citado dezenas de vezes, sem que o autor faça um ensaio específico sobre o historiador francês. Ao se referir sempre ao autor de “O Mediterrâneo”, Burke revela a grande influência deixada pelos Annales em sua obra e nos trabalhos desenvolvidos pelos seguidores da História Cultural.
Pe biografico: "O historiador como colunista - Ensaios para a Folha". Editora Civilização Brasileira, 322 páginas, R$ 40. Tradução de Roberto Muggiati.

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