domingo, 10 de maio de 2009

Jornalismo de verdade: José Hamilton Ribeiro


Quem me conhece sabe que sou bem crítica com o jornalismo praticado no Brasil. Entre os jornais, somente o Estadão tem se mantido como um veículo de imprensa respeitável para mim, neste momento. Entre as revistas, adoro a Bravo! e a Piauí. E na televisão, não consigo acompanhar o jornalismo que mais aprecio. Na verdade, o único grande jornalismo feito na televisão aberta brasileira: o Globo Rural.
Hoje acordei mais cedo para ver a corrida (F1: uma grande paixão) e pude ver um trechinho de uma reportagem do melhor repórter que o Brasil já viu. Infelizmente, a grande maioria das pessoas desconhece o trabalho deste homem, pois são vidradas apenas ao chatíssimo JN do William Bonner. Mas acho que no fim das contas todo mundo já viu pelo menos um pouquinho do trabalho do José Hamilton Ribeiro no Globo Rural, único programa capaz de exibir grandes reportagens, daquelas demoradas, bem produzidas, com discussões relevantes sobre a cultura nacional - ao contrário do que muitos pensam, o programa não é sobre plantas e gado, mas sobre a essência da nossa cultura, cujas raízes estão no interior.
A matéria de hoje era sobre mal-olhado. Algo que poderia ser tratado com superficialidade em um noticiário qualquer é levado a sério no Globo Rural. Na reportagem, entrevistas com psicólogo, historiadora, grande fazendeiro e uma benzedeira da cidade de Urucuia, no sertão mineiro. Por que não pegar uma benzedeira no interior de São Paulo? Por que José Hamilton gosta de mostrar a amplitude geográfica dos temas abordados em seus trabalhos.
Me tornei fã do velhinho durante a faculdade, quando estudava o New Journalism, corrente jornalística que predominou nos anos 60 nos Estados Unidos e teve sua mais importante representação no Brasil por meio da revista Realidade. Gostei tanto da corrente que fiz dela a base teórica para o meu projeto de conclusão de curso - uma revista. O New Journalism consistia em aproximar o jornalismo com a escrita literária, privilegiando o texto ao passar a notícia. Isso pôde ser conferido, por exemplo, no trabalho do famoso Tom Capote, de "Sangue Frio".
José Hamilton era repórter da revista Realidade na década de 60. Em 1968, se embrenhou nas matas do Vietnã para uma reportagem investigativa sobre a guerra que abalava o mundo e era símbolo da divisão entre capitalistas e comunistas. O resultado dessa história foi a reportagem mais impressionante do jornalismo brasileiro: José Hamilton havia sido atingido por uma bomba e perdera a perna. Em vez de se lamentar, o homem transformou essa experiência em texto principal da Realidade.
“Ouço uma explosão fantástica… uma cortina espessa de fumaça bloqueou-me toda a visão… foi aí que senti a perna esquerda. Um segundo após me senti sentado… os músculos repuxavam para a coxa com tal intensidade que eu não me equilibrava sentado… levei as minhas mãos para “acalmar” a minha perna… e foi então que a vi em pedaços. Depois do joelho, a perna se abria em tiras, e um pedaço largo de pele retorcido estava no chão… não sei o que aconteceu, pois a consciência me fugiu. A agonia, que deve ser atroz, de se sentir no meio do mato, esvaindo-se em sangue, enquanto o socorro não chega, essa agonia eu não passei”. Ribeiro prossegue o dramático relato, em reportagem de 12 páginas publicada pela revista: “A recordação seguinte é já na cama, com a perna esquerda encaixotada, a direita coberta de bandagens, o braço esquerdo encanado. Um médico estava me dizendo que eu só ia ficar quatro dias no hospital, seguiria depois para os Estados Unidos e em vinte dias estaria bom… Não suspeitava que aquele era o primeiro dos quinze dias mais dolorosos, tristes e infelizes que eu jamais tinha imaginado passar em minha vida. O médico tinha usado a velha política de enganar o paciente”. Descreve ainda, o dia-a-dia de dores insuportáveis, as doses diárias de morfina e sensação de náusea, as quatro operações realizadas, o impacto da cadeira de rodas e a horrível sensação de ser um número: o ferido 31.843, segundo etiqueta colada no seu braço para controle. Na edição seguinte de Realidade, foi publicada a reportagem sobre a guerra, com entrevistas diversas, com soldados e civis. As fotos eram de sua autoria.
O homem perdeu uma perna num trágico acidente e não deixou o jornalismo de lado. Hoje tem mais de 75 anos de idade e continua a realizar grandes reportagens na Rede Globo. Pena que a eixibiçãodo seu trabalho seja feita tão cedinho, em pleno domingo...

2 comentários:

  1. Boa lembrança!!! Ele realmente é mto bom!!!!

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  2. Profissionais como o José Hamilton estão em falta! São mais de 50 anos de milhares de histórias,cresci assistindo ele no globo rural mas comecei a entender que aquele homem já tinha rodado o mundo contando através de seu olhar critico histórias verdadeiras,sua passagem pelo Vietnã aonde ocorreu a perda de sua perna em si já demonstra que o grande jornalista nunca perde a sua essência.

    Meus parabéns pelos 50 anos de profissão!


    Tiago Silva.

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