segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Raízes do Brasil

Um pouquinho da Cinthya estudante:

Escrito em 1936, o primeiro livro de Sérgio Buarque de Holanda (e o mais famoso de sua aclamada trajetória como escritor e intelectual) traz um ensaio sobre a identidade nacional. Por meio de uma perspectiva psicológica e sociológica, o autor mostra como a colonização portuguesa foi determinante para a construção de diversas características do brasileiro da contemporaneidade. O patriarcalismo, o culto ao ócio e o espírito aventureiro dos portugueses foram decisivos, segundo o autor, para o desenvolvimento do caráter do brasileiro, apontado em seu capitulo mais estudado como um homem cordial (termo empregado de forma pejorativa, já que essa cordialidade esta diretamente relacionada ao jeitinho brasileiro e à corrupção).
O livro foi recebido com ressalvas assim que chegou ao mercado. Isso porque, logo em que foi instaurado o Estado Novo (1937), a sua idéia de que não há como definir uma identidade nacional permanente ou fixa batia de frente com o que era pregado pelo presidente da República, Getúlio Vargas. Alem disso, incomodou a elite nacional, que ainda acreditava em uma “europeizaçao” do Brasil. Porém, anos depois, a obra passou a ser encarada como inovadora pelos intelectuais, especialmente porque estava claro que Holanda não desejava se encaixar em nenhum método ou linha de pesquisa de alguma área do conhecimento. Assim, seu livro foi logo admirado não somente por historiadores, mas também por cientistas sociais, geógrafos e críticos literários. Outra questão que chamou a atenção dos intelectuais é que, diferente dos “explicadores” anteriores, como Gilberto Freyre e Oliveira Viana, Sérgio Buarque de Holanda realizou seu ensaio em função do presente. Por isso, o livro faz uma ponte, o tempo todo, entre o passado e o presente, mostrando como vários acontecimentos do Brasil Colonial influenciaram fatos e características do cotidiano do Brasil do século XX.
As fontes utilizadas pelo autor são secundárias. Na obra, há referências bibliográficas de 140 obras, entre livros de historiadores, críticos literários e romances. Em alguns momentos do texto “O Homem Cordial”, ele baseia parte de sua teoria em idéias desenvolvidas por grandes mestres da sociologia e da filosofia, como Weber e Nietzsche.
“Somos ainda uns desterrados em nossa terra”. Por que essa frase de “Raízes do Brasil” e a mais citada e lembrada até hoje por intelectuais das mais diversas áreas? O que o autor quis expressar ao escrevê-la? Pode-se escrever teses sobre o assunto, mas num primeiro momento o que se pode dizer é que ela faz referência às diversas ausências apontadas por Sérgio Buarque de Holanda que foram cruciais para a formação da identidade do brasileiro: a ausência de uma ética e de uma valorização do trabalho, a ausência de um planejamento de construção de um país, a ausência de conhecimento intelectual. A cultura brasileira, para o autor, é uma união de ausências.
Diferente de Gilberto Freyre, que exaltara a adaptação do português aos trópicos, Sérgio Buarque reclama dos vários problemas dos ibéricos – especialmente em relação à má vontade para as letras, para a imprensa e a educação – como o principal motivo para a ignorância na qual o Brasil se afundou desde a chegada de seus colonizadores. Viu-os como simples semeadores que desejaram sair do litoral, ao contrário do ladrilhador espanhol que se embrenhou no coração da América, ocupando-a com cidades planejadas, abrindo escolas, gráficas e universidades. Os ibéricos são acusados pelo autor de serem extremamente personalistas, avessos a instituições solidárias, fatos que levavam à frouxidão da estrutura social e à falta da hierarquia organizada.
Um dos pontos mais geniais de “Raízes do Brasil”, tanto que e o mais comentado do livro em seus mais de 70 anos de existência, está no desenvolvimento das características do homem cordial, ou seja, em mostrar que a cordialidade do brasileiro não é uma boa característica; pelo contrário, é um dos principais motivos para que os problemas político-sociais sejam encarados de forma provinciana e patriarcal.
De início, é difícil compreender a complexidade dessa teoria e como ela se aplica a todos os períodos da história do país. Vivemos, assim como o Sérgio Buarque de 1936, num Brasil ainda tomado pelo patriarcalismo, pelo populismo, pelo nepotismo e, especialmente, pelo jeitinho brasileiro.
O texto de Holanda é bastante elucidativo quando a discussão em questão são os resultados do exercício da democracia política brasileira. Se todos possuem o direito de votar secretamente, porque a corrupção ainda impera no país? Certamente, porque a maioria dos políticos se mostra como homens cordiais, capazes de conquistar a simpatia do eleitorado, sem nem sempre apresentar qualidades que realmente seriam importantes no exercício de um cargo público. São homens que depois indicarão parentes e amigos íntimos para cargos públicos de confiança, se utilizando do dinheiro público para pagar salários a pessoas que nem sempre são as mais qualificadas.

Embora “Raízes do Brasil” tenha sido publicado em 1936, quase todo o raciocínio de Sérgio Buarque de Holanda pode ser aplicado aos dias de hoje – em pleno século XXI. Na atualidade, o Brasil possui uma democracia política consolidada, é uma das maiores economias do mundo, fonte de curiosidade em várias partes do mundo. Porém, o brasileiro ainda é um homem cordial e, com isso, todos os problemas agregados a esse tipo descrito por Holanda permanecem. Corrupção, jeitinho, nepotismo, coronelismo político são recorrentes num Brasil burguês e liberal.
É incrível observar como todos os capítulos trazem pensamentos e análises que podem ser aplicadas ao Brasil de 2007. No capítulo “Novos Tempos”, momento em que Holanda pretende mostrar que a herança da cultura lusitana permanece no Brasil, mesmo que isso atrapalhe o desenvolvimento do país, se aplica totalmente à atualidade. Vivemos numa época em que o acesso ao ensino universitário cresce de forma impressionante. Mas o interesse das pessoas, seus sonhos de carreira, permanece o mesmo. Assim como na década de 1930, as pessoas desejam conquistar cargos no funcionalismo público que lhe proporcionem bons salários e pouco esforço em vez de procurarem serem profissionais liberais reconhecidos por uma trajetória de esforço. O enriquecimento rápido e fácil continua a ser o objetivo da maioria dos brasileiros.
Também é importante destacar o método utilizado pelo autor para defender suas idéias e tão brilhantemente apontado por Antônio Cândido no prefácio de “Raízes do Brasil”. A construção de tipos antagônicos e dialéticos nos leva a uma nova forma de enxergar a sociedade. Aprendemos muito com Max Weber, mas com Sérgio Buarque de Holanda podemos ter contato com uma metodologia sociológica mais palpável, mais possível de passear pelas diferentes áreas do conhecimento humano.

3 comentários:

  1. Acho que se o Sérgio Buarque fosse fazer uma revisão desse livro hoje, em 2009, ele não acrescentaria uma linha sequer.

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  2. Pode acreditar, amigo. Estou lendo "A Ética Protestante" para saber se o Weber é tão atual quanto o Sérjão.

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  3. Sem dúvida Sérgio foi feliz em sua análise...
    Uma questão:
    Qual o caminho para a mudança do "jeitinho brasileiro"?

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