terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Trajetória escolar

No semestre passado, na aula de Sociologia da Educação, a professora nos pediu um trabalho final sobre a nossa própria trajetória escolar. Devo não ter me saído mal, pois fiquei com uma boa nota da matéria - bem acima do que realmente merecia. Foi um trabalho bacana de se fazer, pois pude relembrar os meus momentos com colegas e professores em toda minha vida como aluna - completo 28 anos em duas semanas e nunca parei de estudar. Seguem trechos do trabalho.

Dois momentos da minha trajetória escolar renderiam bons textos, recheados não só de fundamentação teórica, como também de um gostoso saudosismo/saudade. O primeiro se refere aos melhores anos da vida, experimentados nos corredores do Colégio Técnico da UFMG entre os anos de 2005 e 2007. Valeu o esforço que tive que despender para conseguir entrar nesta escola – tratava-se de uma disputa de 30 candidatos por vaga! O segundo momento foi a tão sonhada entrada na faculdade. Em 1999, após amargar um 15º lugar excedente no curso de Comunicação Social da UFMG, me vi ingressando no curso de Jornalismo da Unesp, em Bauru.
Dois momentos que me trouxeram importantes experiências, dois momentos que me trouxeram duas diferentes profissões – sou técnica em eletrônica e jornalista! Depois de uma reflexão, decidi optar por centrar este trabalho nos tempos de Bauru. Afinal, os amigos de Coltec estão sempre por perto e constantemente acabo lembrando da minha adolescência de forma reflexiva. Mas a faculdade de Jornalismo não está apenas no passado, mas também há 800 km de distância. Assim, falar sobre o assunto será aproximar a Unesp novamente de mim, me ver novamente inserida no maior campus da segunda maior universidade pública do Estado de São Paulo.
Antes de qualquer coisa, é importante compreender que se pude estudar no melhor colégio público de Belo Horizonte (e o mais concorrido) e em duas das principais universidades do Brasil (Unesp e UFMG), devo isso ao meu pai. Carlos Alberto de Oliveira nasceu em uma filha chefiada por um funcionário público em Itapetininga, interior de São Paulo. A perspectiva de estudar em uma universidade parecia coisa de megalomaníaco na família Oliveira. Mas o ambicioso Carlos sempre foi bom aluno e correu atrás. Entrou na faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp com apenas 18 anos, sendo um pioneiro. O primeiro da família a ingressar numa universidade. A segunda seria sua filha mais velha: eu.
Para o meu pai, não importava se eu ou minha irmã fôssemos crianças bagunceiras ou desbocadas; quem devia cuidar desse assunto era minha mãe. Meu pai fazia questão apenas que fôssemos boas alunas. Boas, não. Ótimas. “Não há diferença entre o segundo lugar e o último”, dizia sempre.
Hoje sei que boa parte de minha frustração e momentos de baixa auto-estima estão relacionadas a essa educação dada pelo meu pai. Mas também não posso negar que meu sucesso escolar está totalmente ligado a ele. Não apenas pela cobrança por notas boas, mas também pelo exemplo dado. Meu pai é um ávido leitor, com uma invejável biblioteca. Apaixonado por guerras, me ensinou a tomar gosto por filmes que vivenciavam a Guerra do Vietnã ou a Segunda Guerra – e hoje estudo para ser professora de história...
Não considero que eu fosse uma pessoa de grande capital cultural em minha adolescência. Somente meu pai era influência suficiente para que meu capital cultural pudesse ser considerado significante. O prazer pela leitura já estava dentro de mim no Ensino Fundamental, mas antes do 15 anos mal sabia quem era Chico Buarque ou Led Zeppelin. Foi no Coltec, tendo contato com filhos de professores e ex-alunos do Centro Pedagógico, que me tornei uma social-democrata (sou de uma família de malufistas), apaixonada por rock e MPB (meus pais gostam de sertanejo e música popular), conhecedora de vinho e fondue. O que mostra que capital cultural não é obtido apenas por meio dos pais, mas também pelo convívio social.
(...) Provavelmente, me adaptei facilmente à cultura escolar por ter crescido em uma casa chefiada por um homem que sempre valorizou o conhecimento escolar e as informações adquiridas por meio da mídia. Pensando bem, minha família pôde me preparar para o sucesso escolar: meu pai lia jornal diariamente (e eu comecei a copiá-lo no final de minha infância), minha mãe comprava semanalmente revista em quadrinhos para mim, além de me levar ao cinema e ao teatro. Um privilégio, certamente.
Na Unesp (responsável pelo segundo maior vestibular do país, atrás da USP), encontrei uma pluralidade cultural inimaginável. Bauru é uma das mais importantes cidades universitárias do país, não apenas por concentrar um enorme número de estudantes (ali estão a Unesp, a USP e três grandes universidades particulares), mas ainda por atrair pessoas de todo o país. Em uma turma de 50 alunos, apenas dois eram da cidade. Éramos oito de Minas Gerais, duas de Goiânia, cerca de 15 da capital paulista e outros tantos do interior do Estado.
Na turma, estudavam filhos de donos de jornais, médicos, arquitetos, engenheiros, entre outros profissionais liberais. Havia também oriundos da classe média baixa e pessoas formadas em outras faculdades. Cada um tinha um sotaque, uma maneira de se vestir, uma maneira de ver o mundo. Quem vinha da região metropolitana de São Paulo ou de Ribeirão Preto já sabia o que eram drogas, álcool, rock, MPB, PT, PSDB, sexo, teatro etc etc. Já quem vinha de cidades pequenas trazia informações sobre economia agrária, música sertaneja, geografia do Estado de São Paulo, tradição. No fim das contas, todo mundo aprendia com todo mundo e os nossos quatro anos de Jornalismo foram marcados pela troca de informações.
Alguns assuntos eram recorrentes nos tradicionais debates de sala de aula. Movimento estudantil e MST estavam no topo da lista. As discussões eram tão calorosas (imaginem os filhos de fazendeiros conversando com militantes de esquerda a questão agrária?), no terceiro ano, decidimos proibir entre nós o assunto MST.
O capital cultural dos filhos de intelectuais era impressionante, mas no decorrer da faculdade, com a troca de informações constante entre os estudantes, as pessoas de classe média baixa foram conquistando bastante conhecimento. Para mim, estudar na Unesp significou uma rápida passagem para a vida adulta. Com 18 anos, já morava a 800 km de meus pais, de meu namorado, de meus melhores amigos. Mais do que teorias da comunicação e do jornalismo, aprendi a arrumar uma casa, manter as contas em dia, a dividir o espaço com pessoas totalmente diferentes de mim. Quando voltei para Belo Horizonte, não era simplesmente uma formanda em jornalismo. Era uma pessoa que havia aprendido um pouquinho com cada pessoa com quem convivi nos quatro anos de curso. Com os amigos de São Paulo, conheci mais sobre música, literatura e artes em geral. Com os amigos do interior, aprendi sobre tolerância, respeito, força de vontade, alteridade.

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